quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

TRIBUNAL DE JUSTIÇA
TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL
HABEAS CORPUS
IMPETRANTE: UBIRATAN GUEDES
PACIENTE: ANIZ ABRAHÃO DAVID
AUTORIDADE COATORA: Juiz de Direito da Vara Criminal da Comarca de Teresópolis
RELATOR: DESEMBARGADOR PAULO RANGEL

DECISÃO
DA COMPETÊNCIA
Trata-se de ação de habeas corpus proposta por UBIRATAN GUEDES em favor de ANIZ ABRAHÃO DAVID com alegação de constrangimento ilegal sob o argumento de que o paciente estaria sofrendo constrangimento ilegal ao ter contra si mandado de prisão em decorrência da Operação policial denominada “Dedo de Deus”.
A autoridade judiciária apontada como coatora decidiu acolher promoção do Ministério Público decretando, fundamentadamente, a prisão preventiva dos acusados, além de deferir outros tantos requerimentos de busca e apreensão na residência de diversos denunciados, sendo ao todo dezenas de acusados.
A Operação visa coibir, segundo denúncia do Ministério Público, os crimes de formação de quadrilha armada, corrupção passiva, violação de sigilo funcional, crimes contra a economia popular, lavagem de ativos financeiros, dentre outros ilícitos.
Inicialmente, como Desembargador relator, neguei todos os pedidos de liminar requeridos pelos impetrantes por entender que estavam presentes os motivos que autorizaram a custódia cautelar, mas em decorrência do recesso judiciário foi pleiteado perante o Desembargador de Plantão a concessão de liminar que foi concedida, isto é, outro habeas corpus foi impetrado pelo impetrante perante o plantão, mesmo já tendo sido impetrado perante esta Egrégia 3ª Câmara Criminal.
O Plantão judiciário não é instância revisora da Câmara ordinária natural do caso penal, mas sim instância revisora de decisões prolatadas em 1º grau pelo juiz plantonista (art. 2º, I, da Resolução 02/2010).
Eventuais irresignações devem ser levadas perante o STJ após o julgamento do mérito do HC em conformidade com a Súmula 691 do STF que, pelo princípio da simetria, se aplica também aos tribunais inferiores[1]. Se um Desembargador natural de determinada Câmara ordinária já decidiu uma questão afeta a determinado processo está ele prevento, nos termos do que preconiza o art. 83 do CPP, não sendo lícito a outro desembargador decidir, em sede de plantão, de forma diferente por não ser instância revisora daquele.

Por tais motivos, errônea é a decisão que concedeu LIMINARMENTE a liberdade ao paciente por falecer competência ao desembargador de plantão, nos termos do que preceitua a Resolução 02, de 2010[2].
DA LIMINAR
Os fatos objeto do presente procedimento são por demais gravosos, exigindo por parte do Poder Judiciário sensibilidade e responsabilidade quanto à manutenção ou não da liberdade do paciente, não sendo razoável que se deixe de observar os requisitos para manutenção da custódia cautelar, a dizer: fumus comissi delicti e periculum libertatis.
A fumaça do cometimento do crime se traduz pela presença incontestável dos indícios da prática das infrações penais objeto de apuração: corrupção, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, crimes contra a economia popular, dentre outros.
O perigo na liberdade do réu se demonstra pela constante fuga que empreende do distrito da culpa quando procurado pela justiça, não sendo admissível que o Estado negocie com um foragido da justiça, pois ao se conceder à liberdade a quem se furta a aplicação da lei penal se está abrindo um precedente grave aos atos de império do Estado, pelo menos enquanto num Estado Democrático de Direito.
O paciente alega ser doente, juntando diversos atestados médicos de origem privada, mas não está numa casa de saúde como deveria, já que não goza, segundo alega, de boa saúde. Quem está com a saúde prejudicada como alega o impetrante deve estar no hospital e não fugindo da ação da polícia.
A democracia existe para garantir a liberdade entre os iguais e desiguais, maiorias e minorias, mas também para se exigir dos homens um comportamento dentro do se quer numa sociedade livre, justa e solidária, não é o caso do paciente que se furta a cumprir com às ordens da justiça obstruindo a ação do Poder Judiciário, sempre que contra si há uma ordem judicial.
Aliás, o paciente é figura conhecida no mundo da contravenção já possuindo condenação anterior por formação de quadrilha, além da famigerada atividade do jogo do bicho que como é de sabença de todos não é tão inocente assim.
As pessoas, para viverem em sociedade, tem direitos assegurados na Constituição da República, mas também possuem deveres e devem cumpri-los, sendo um deles o da submissão completa aos ditames da lei.
Ao se estatuir a legalidade dos atos da administração pública de um modo geral se exige também dos jurisdicionados um comportamento compatível aos comandos complementares da lei[3], sob pena do Estado somente conceder direitos e não poder exigir a contra prestação que é a submissão ao império da justiça.
No caso em tela, outro não foi o comportamento do paciente que desde que teve sua prisão decretada pelo Estado-juiz se furtou a ação da justiça e pior: participando de uma atividade as escâscaras ilegal que, inclusive, envolve policiais civis e agentes do poder público, de um modo geral, ou seja, através da corrupção com utilização de grande soma em dinheiro, como consta dos autos do processo em recente apreensão de grande soma em dinheiro.
Isto não é análise de mérito que cabe ao juiz do processo de conhecimento, mas é análise dos requisitos do periculum libertatis e do fumus comissi delicti, pois a quadrilha, como apreendido pela ilustre autoridade policial, se utilizava de cerca de 4 milhões de reais escondidos em ralos e esgotos na residência do tio de um deles (Helinho da Grande Rio) e tais fatos merecem uma investigação processual adequada.
Se esses crimes não estivessem lá indicados, apontados, diriam que a prisão seria ilegal porque não haveria nenhum indício de crimes, mas como os crimes estão lá, indicados, apontados (o que não significa dizer que o paciente seja culpado porque é presumidamente inocente) dizem que isso é mérito. Há certa confusão entre mérito e indícios suficientes de autoria e prova da materialidade do fato.
Aqui estou analisando os indícios de autoria e a materialidade do fato para justificar a revogação da decisão liminar, indevidamente concedida, não só pela incompetência jurisdicional como pelo desacerto da análise jurídica.
Ora, se isto, por si só, não for suficiente para demonstrar o poder de corrupção da quadrilha; para demonstrar que grandes somas em dinheiro são arrecadadas com o fim espúrio pelo grupo criminoso iremos passar atestado de inocência e ingenuidade à sociedade que deixará de acreditar nos reais ideais de justiça, sem contar a desconfiança de nossos atos e no descrédito que já paira sobre o Poder Judiciário.
Por muito menos pessoas são presas e permanecem até o final do processo (roubo a ônibus, por exemplo) sem que o Poder Judiciário conceda liberdade, liminarmente, em sede de plantão.
Todavia, quando se trata de uma atividade criminosa, segundo denúncia do MP, das mais graves, somos complacentes. Há algo de errado. Não podemos permitir que pessoas que se furtam a aplicação da justiça sejam beneficiadas com liminares em prisões que nada tem de ilegal.
O trabalho da polícia de atividade judiciária, no caso destes autos, deve ser prestigiado. Tenho defendido que a regra no direito é a liberdade, mas excepcionalmente a prisão se justifica para fins de assegurar o curso do processo como no caso dos autos. Não se trata de antecipação da pena, mas sim de necessidade de assegurar os atos instrutórios.
Há um fato novo que não foi apreciado quando da concessão da liminar que ora revogo: a apreensão de cerca de 4 milhões de reais achados no ralo do esgoto em poder de um dos integrantes da quadrilha. Repito: cerca de 4 milhões de reais no esgoto, protegidos em sacos plásticos.
No mínimo é estranho alguém guardar essa enorme quantia de dinheiro no ralo e esgoto de uma residência, em especial em um País de modernidade tardia em que a maioria esmagadora da classe trabalhadora sequer sabe o que significa essa quantia.
Tais fatos, a evidência, autorizam a custódia cautelar do paciente com o escopo de resguardar a ordem pública e assegurar a instrução criminal, pois a corrupção impera no meio criminoso imputado ao paciente.
Por tais motivos, REVOGO a LIMINAR concedida, casso as medidas cautelares a que se submete o paciente, e restauro a sua prisão cautelar delegando ao magistrado de piso a análise de eventuais pedidos de revogação de prisão preventiva, nos exatos limites do art. 316 do CPP.
EXPEÇA-SE MANDADO DE PRISÃO.
Oficie-se como de praxe aos órgãos responsáveis pelo integral cumprimento desta decisão.
Rio de Janeiro, 09 de Janeiro de 2012.


Paulo Rangel
Desembargador


[1] Súmula 691 
Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar.
[2] Art. 2º - O plantão judiciário, em primeiro e segundo graus de jurisdição, destina-se exclusivamente ao exame das seguintes matérias:
I - pedidos de habeas corpus e mandados de segurança em que figurar como coator autoridade submetida à competência jurisdicional do magistrado plantonista;
Art. 3º - O plantão judiciário não se destina à reiteração de pedido já apreciado no órgão judicial de origem ou em plantão anterior, nem à sua reconsideração ou reexame ou à apreciação de solicitação de prorrogação de autorização judicial para escuta telefônica.
Parágrafo único - Será considerado ato atentatório à dignidade da Justiça, com as conseqüências legais pertinentes, reiterar pedidos já apreciados no órgão judicial de origem ou em plantão anterior.


[3] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27 ed., São Paulo: Malheiros, 2010, p. 100.

Nenhum comentário: