A quem interessa o cerceamento da informação?
Uma decisão da Justiça Eleitoral na última semana me motivou a escrever sobre um assunto que infelizmente ganha proporções ainda maiores neste período pré-sufrágico que vivemos: o trabalho da imprensa na cobertura das eleições e o posicionamento da “Deusa Atena Vendada” quanto a essa atuação. Se é a imprensa a maior responsável pela propagação (e é daí que vem o signo da palavra propaganda, ou seja, “propagare”, o mesmo que propagação da ideias) das informações acerca dos objetivos e proposições dos pleiteantes a cargos políticos, por que puni-la por isso?
Essa pergunta não é simples de ser respondida, mas requer muitos questionamentos quanto a responsabilidades e respeito mútuo. E por falar em respeito, permitam-me realizar uma pequena correção para não incorrer no mesmo equívoco que motivou tal artigo, ou seja, a generalização. Quando me refiro a uma decisão da Justiça Eleitoral, na verdade é a de um Magistrado, e não da instituição como um todo.
Mas que fato foi esse? Serei breve para voltarmos a discussão ideológica. Como quase todos sabem, os teresopolitanos tiveram o acesso antecipado e notadamente necessário, num momento de turbulência política e incerteza que viviam, às propostas e possíveis soluções dos pré-candidatos ao cargo máximo do Executivo municipal. Essa ação corajosa e inédita do Grupo Diário, além de proporcionar o máximo de informações possíveis, pelo fato de dispor do mesmo espaço e tempo para todos os partidos políticos que quiseram participar, e foram a esmagadora maioria, ainda foi construída conjuntamente com os maiores especialistas da área eleitoral em nossa cidade, e com o aval da OAB, inclusive com a direção local toda presente na reunião de configuração das regras. Antes de cada entrevista as regras que foram estabelecidas foram lidas e repetidas para entrevistados e telespectadores, além disso, um instrumento pré-estabelecido com os partidos ainda permitia a edição prévia em caso de descumprimento das mesmas. Pois bem, mesmo com todos esses elementos e com toda essa atuação responsável de todos os envolvidos, duas condenações locais impõem sansões financeiras aos dois polos por expor excessivamente assuntos políticos e por caracterizar-se como propaganda extemporânea.
Senhores, não seria ingenuidade achar que os assuntos tratados nas entrevistas não seriam de cunho político? E que mal tem nisso se a proporcionalidade e os princípios democráticos de igualdade de direitos foram respeitados, bem como a Lei que rege as mesmas? O interesse máximo das entrevistas não seria o que cada candidato queria apresentar para a administração do município? Que desrespeito há nisso? O magistrado levou em consideração o contexto da organização das entrevistas, os processos de regulamentação das mesmas e a postura dos veículos de comunicação com elas? O receptor dessas informações, ou seja, o eleitor teresopolitano, tinha algum interesse nas entrevistas que não fosse ouvir propostas políticas e de governo? É uma reposta não tão difícil de ser dada, não?
Vou recorrer ao pensamento da Ministra Carmem Lucia, presidente do TSE, que recentemente se posicionou quanto ao direito da liberdade de expressão. Segundo ela, essa premissa faz parte de uma geração que lutou muito por esse direito e o papel da justiça eleitoral é punir excessos, abusos de poder, fraudes e corrupção, mas nunca censurar. “Não é papel da Justiça Eleitoral legislar, apenas julgar com base na legislação”, disse a Ministra. É fato que a principal função da Justiça Eleitoral é dar legitimidade ao processo eleitoral, mas também é preciso entender que ela assume um papel considerado anormal, atípico e incomum quando comparada ao que conhecemos como Justiça. Além de julgar, ela é uma Justiça que administra, realizando as eleições e trazendo lisura e transparência ao processo eleitoral, que é justamente aquele no qual a democracia é mais pujante.
Mas não podemos deixar de questionar qual teria sido o abuso, ou excesso cometido durante as entrevistas? A sociedade corre sérios riscos sempre que limites são impostos à liberdade de expressão, e seja qual for esse limite. Nunca é demais dizer que quanto mais informação e conhecimento sobre os candidatos a cargos eletivos, mais facilidade de escolha terá o eleitor. Nessa dimensão política, a liberdade de expressão torna a decisão ainda mais importante e o teresopolitano sabe bem disso, já que hoje tem plena consciência de que suas escolhas equivocadas se traduzem em malefícios imediatos em seu dia-a-dia. Mas como será que esses fatos se tornaram evidentes para a população? Eu respondo, pela atuação séria e compromissada da imprensa.
Em países e em episódios nos quais atua de forma livre e honesta, a imprensa desempenha um papel fundamental no auxílio à fiscalização de ações do governo, reforçando assim a transparência da administração pública, pilar de regimes democráticos desenvolvidos. Teresópolis é um exemplo claro dessa atuação, quando suas publicações e produtos investigativos mobiliaram a população a ganhar as ruas e pedir a saída de quem não agia como predispunha seu cargo público. Fato.
Mas esse sucesso do jornalismo como verdadeiro “watchdog”, que é uma expressão que conota a atuação da imprensa como uma espécie de cão de guarda das autoridades, esta ligado diretamente ao acesso que os profissionais da imprensa têm a informações públicas, mas principalmente à garantia de liberdade de atuação.
Teóricos do iluminismo já arguiam que a publicidade e a abertura dos processos proveem a melhor proteção para os excessos do Poder e dos seus agentes. A ideia da imprensa como uma espécie de “Quarto Poder”, como uma instituição que existe fundamentalmente como uma instância de fiscalização sobre aqueles que exercem funções públicas, estava baseada na premissa de que Estados poderosos deveriam ser observados a fim de se evitar que extrapolem os limites legalmente estabelecidos. A imprensa trabalhando independentemente do governo, mesmo que as liberdades para tanto fossem garantidas pelo Estado, era condição, supunha-se, para ajudar a garantir a limitação do poder estatal.
Agora volto ao nosso questionamento inicial: “A quem interessa o cerceamento da informação?”. Caso os veículos de comunicação não se sintam mais a vontade para atuar na cobertura dos fatos e acontecimentos nesse processo de campanha, quem lucra com isso? Simples! Quem tiver mais dinheiro para colocar carros de som nas ruas, materiais de campanha sofisticados ou placas, faixas e carros adesivados. Não há atuação democrática no campo da informação sem a atuação firme e livre da imprensa.
O que há de se ponderar é qual o contexto de atuação dessa mídia. Como atua esse veículo de comunicação? Ele dá espaço a todos os candidatos? Dá espaço para a Justiça Eleitoral divulgar suas ações? Oferece a população informação jornalística dentro dos princípios profissionais da área? Essas são as perguntas que precisam ser feitas. Não existe possibilidade de se punir sem analisar o contexto! A letra fria da Lei só causa a desproporcionalidade do pleito, fato combatido historicamente pela própria legislação eleitoral. Como disse, só quem lucra com a falta de debate e de exposição é quem não tem discurso e propostas, quem se faz valer pelo poder econômico, aí sim está o abuso. Até a próxima.